Finalmente, depois de um bocado de polêmicas sobre seu CGI, estreou a série da She-Hulk na Disney+. Uma série leve, divertida, autodeclarada série de comédia logo no início de seu primeiro episódio, mostrando a personalidade de Jennifer Walters / She-Hulk vivida pela brilhante Tatiana Maslany sem medo de ser feliz. Mas para a decepção de alguns a série não é sobre o Hulk.
Representatividade feminina
Se antes de estrear a reclamação era sobre o CGI, bastou 1 episódio para que algumas pessoas começassem a chamar a série de lixo, de lacração. O que me indigna sobremaneira. Pois, apesar de levantas algumas questões reais do dia a dia de qualquer mulher, a protagonista o faz com a graça e a naturalidade de quem sabe do que está falando. Pasmem, mas é verdade que nós mulheres temos que controlar nossa raiva todo santo dia, sem exceção, pelo simples fato de sermos mulheres. Porque, parece que, por sermos mulheres, somos consideradas automaticamente incapazes nos nossos próprios ofícios. Porque por ser mulher, eu preciso tomar sempre cuidado por onde ando por medo se ser violentada. Duas semanas atrás uma mulher quase sofreu essa violência no meu bairro em plena luz do dia.
Quantas mulheres são consideradas descontroladas, difíceis ou loucas pelo simples fato de dizerem não a um assédio qualquer. Quantas de nós já ouviu piadinha sexista e misógina? Chega ao cúmulo de homens que não fritam sequer um ovo tentarem dizer a uma mulher que cozinha desde novinha como cozinhar feijão.
Sim, passamos raiva todos os dias. E vivemos com medo. Todos os dias. Controlamos e reprimimos isso como parte dos nossos “talentos naturais” porque a vida inteira é assim.
She-Hulk nada tem a ver com lacração
Jennifer Walter, a She-Hulk, fala abertamente sobre isso na série o que fez com que muitas de nós nos sentíssemos representadas. E tudo que ela falou é verdade. E vida que segue. Não significa com isso que ela seja mais forte ou melhor que o Hulk, seu primo Bruce Banner vivido por Mark Ruffalo. Apenas significa que ela já tem essa habilidade desenvolvida. Ela tem mais controle sobre seus poderes e este fato foi estabelecido canonicamente nos quadrinhos da verdona. Ela tem controle, não perde a inteligência na forma de Hulk e é superdivertida, bem-humorada e quebra a quarta parede com a maior naturalidade muito antes do Deadpool pensar em existir. Tá nas HQs desde a sua origem lá nos anos 1980. A primeira aparição do Deadpool foi em 1991, a título de curiosidade.
Mas ainda assim, ainda com todos esses fatos – sim, fatos e não conjecturas – ainda houveram pessoas reclamando da série, dizendo que era uma série de lacração e feminismo. É uma série obviamente feminina uma vez que a personagem principal é a Mulher-Hulk. Então ela vai sim falar sobre nossa realidade, sob o nosso ponto de vista. Mas não é lacração. É a nossa triste realidade. A cada 10 minutos uma mulher é violentada no Brasil. Logo no primeiro episódio um grupo de homens assedia Jennifer que a veem sozinha e diz “meu namorado deve estar chegando“. Sabe por que ela diz isso? Porque nós mulheres só somos respeitadas quando acompanhadas por um homem.
Preconceitos e até misoginia nas redes sociais
Eu cheguei a ver um comentário absurdo no qual um rapaz dizia “Ah mas a She-Hulk deu essa desculpinha de controlar melhor a raiva mas ela nunca teve que fugir de um exército como o Hulk fez”. Eu não consegui acreditar na estupidez de tal afirmação. Por acaso o Hulk tem que lidar com exército todo santo dia? Pois nós mulheres temos que lidar com micro agressões diárias até de pessoas próximas, temos que sorrir e acenar sempre.
Tudo isso que eu falo acima, eu escrevi antes de assistir ao maravilhoso terceiro episódio, que literalmente explana tudo isso. Jennifer quebra a quarta parede pra nos lembrar que a série é sobre ela e não sobre os convidados especiais. Nas mídias sociais, na própria série, mostra os nerdolas de plantão reclamando “Eles tiraram a masculinidade do Hulk e depois a deram para uma mulher?” e “Eu não entendo. Por que estão transformando todos os super-herói em mulher?” dentre outras frases preconceituosas. Coisa que aconteceu aqui na vida real assim que saiu o primeiro episódio. Temos que lembrar que a diversos episódios da série já estavam prontos há algum tempo. Assim, é possível perceber o quanto a Marvel está ligada no que o público diz. E é claramente uma crítica ao machismo escancarado da sociedade.
Ligando os pontos
Além disso, o episódio faz o link direto lá com o primeiro em diversos aspectos. Como por exemplo quando ela explica sobre como conseguiu o apelido de She-Hulk em uma entrevista.
Porém quero destacar dois importantes pontos, no momento em que a Gangue da Demolição a ataca. O primeiro deles é que ao tentar tirar o sangue de Jennifer, nos faz lembrar do Hulk explicando pra ela sobre a importância de se ter cuidado com isso, uma vez que seu sangue é extremamente poderoso.
O outro ponto é o ataque em si. Lá no primeiro episódio, quando um grupo de homens tenta assediar a Jennifer, ela se transforma em Hulk, mas seu primo Bruce a impede de revidar. Ela ainda não tinha nem consciência e nem controle do que estava acontecendo. Neste terceiro episódio, ela consegue se defender dessa ameaça física e entente, ao olhar seu reflexo no vidro do carro, que ela não precisa mais ter medo de ameaças quotidianas, ou qualquer outro tipo de ameaça à sua integridade física.
She-Hulk é uma série muito divertida
Uma série divertida, consciente do que é. O CGI pode não ser perfeito, mas não atrapalha em nada a minha diversão. Eu nasci nos anos 80 e vi muito filme com defeitos especiais durante minha infância. Acho maravilhoso todo o progresso que tivemos nos CGIs e os filmes e séries de heróis são realizações de sonos pra mim. Eu me divirto com a série e aceito o CGI como ele é, pois não preciso acreditar que Jennifer é realmente uma mulher enorme e verde. É só uma série, e não sou uma criança birrenta pra exigir CGI perfeito. Eu quero é me divertir, e a série me traz isso: diversão. Além de ser muito fiel aos quadrinhos da personagem em sua essência.
Há quem reclame que quase não tem cenas de ação pra uma série da Marvel. A própria Jen nos explica lá no início da série, não é uma série de ação. É uma série de advocacia. E mais, o próprio Hulk fala que é uma comédia.
Se quem está assistindo reclama dessas coisas, está assistindo a série errado. Ou simplesmente não é o público alvo do que está sendo apresentado. E tá tudo bem. É só não assistir. Infelizmente parece que há uma necessidade de reclamar de tudo na internet não é mesmo? Ao invés de simplesmente seguir a vida assistindo outras coisas que gosta.
Será que nossas vidas estão tão vazias assim que apenas cresce a necessidade de xingar muito na internet tudo o que nos desagrada? Ou será um problema de ego e masculinidade frágil a ponto se ofender com uma série que não foi feita pra você? Reflita. Se não foi, existem outras séries pra acompanhar, tanto na Disney+ quanto em outras plataformas de streaming. Já viu Anéis do Poder na Prime Video? Ou Sandman da Netflix? Pode ser que você curta mais.
Não é sobre o Hulk
A série não é sobre o Hulk. O Hulk já se mandou pra outro planeta e já avisou no segundo episódio que não irá voltar tão cedo. A série é sobre a Jennifer Walters, uma pessoa diferente de seu primo Bruce, uma mulher que quer continuar sendo advogada e ajudando as pessoas de maneira diferente de seu primo Vingador. Ela é dona de si mesma e não é uma cópia do primo verde. Ela é ela mesma. E a série é sobre a própria. Sobre sua vida e seus dilemas.
Eu estou contente com o resultado. Muito contente mesmo. Tenho curtido cada episódio e reassistindo para pegar os detalhes que muitas vezes passam desapercebidos e que revelam muita coisa do Universo Marvel. A série conecta diversos pontos do MCU, um atrás do outro de maneira surpreendente e satisfatória. Quem está descontente com o Hulk, espera um pouquinho que talvez ele volte de Sakaar totalmente selvagem novamente (sinto Planeta Hulk vibes vindo aí). Mas por favor, se querem criticar a série, que seja pelo enredo ou algo do gênero, mas não me venham com machismos velados, nem escancarados e nem com “mimimi mas e o Hulk?”. A série não é sobre ele.
É isso. Beijos e até a próxima.